quarta-feira, maio 19

Um dia chuvoso

     Hoje, enquanto olhava a chuva pela janela do ônibus, percebi-me novamente em meu hobby: Observar as pessoas.
     Algumas corriam desesperadas para se proteger, outras andavam tranquilamente com seus guarda-chuvas, as barras molhadas. Um senhor, sentado no ponto do ônibus, com o nariz vermelho e a cabeça toda coberta por uma touca de lã espiava, com olhinhos aquosos, por cima de seu grosso cachecol. Nossos olhares se encontraram por um segundo, no embarque de passageiros.
     Eu pensei: " Se eu não tivesse um compromisso hoje, talvez não saísse de casa..."

     Algumas pessoas nos pontos tremiam de frio, senhoras rabugentas se molhavam com esguinchos dos carros, jovens vaidosas protegiam os cabelos da umidade, crianças agarradas à mãos das mães, seguiam dentro de capas-coloridas-de-chuva pela rua. Cada um reage à sua maneira.
     As gotinhas de água que morriam no vidro da janela me convidavam a tocá-las. Estendi a mão para fora e senti cada gota que tocava a palma da minha mão. Uma paz. A singela sensação de contato com algo maior, algo difícil de explicar...

     Meu ponto se aproximava. Desci do ônibus e abri o guarda-chuva. Olhei ao redor: mais pessoas apressadas a se livrarem da chuva, se refulgiando junto à parede. A água descia em corrente pela guia da rua, levando algumas folhas. A barra da minha calça começava a escurecer onde ia ficando úmida.
Parada onde desembarquei, sorri comigo mesma e fechei meu guarda-chuva.

Caminhei tranquilamente pelo meio da calçada sentindo os respingos gelados no rosto...

segunda-feira, maio 17

A velha.

       Ela estava sempre ali, com sua vassoura na mão, as pantufas de pano rasgadas, a saia puída e uma camisolinha furada por cima de tudo. O cabelo todo fios brancos revoltos, a pele já muito enrugada e pintada do sol, as feições cansadas e sofridas.
       Toda manhã eu passava por esta senhora intrigante. Sempre a varrer as folhas secas que caíam da árvore em frente a seu portão. Tão velha, tão maltrapilha, tão triste visão.

       Passei cerca de um ano presenciando esta cena, por volta das 7h30, enquanto corria para a aula. Minha primeira impressão não foi nem a curiosidade, foi a estranheza. Um dia passei a refletir sobre isto depois de passar por ela, a caminho da faculdade: Será que mora sozinha, essa pobre senhora? Não há alguém mais jovem na casa que faça esse trabalho para ela? Será que são eles que a mandam varrer para ocupá-la de alguma forma? Ela gosta de juntar as folhas?
       Enfim, passavam muitas possibilidades na minha cabeça, mas nunca me preocupei seriamente. Não era da minha conta. Apenas curiosidade.

       O ritmo dos estudos aumentaram com o passar dos semestres. As noites em claro passaram a ser frequentes e com isso, o despertar em cima da hora da aula, também. Passei a pegar atalhos para chegar mais rápido. Com o tempo, parei de ver aquela cena matinal que me alimentava a curiosidade e, por fim, esqueci do fato.

       Até que me habituei a dormir pouco e voltei à rotina de caminhar pelo mesmo caminho de antes e ir observando os vizinhos que saíam para o trabalho ou levavam seus filhos à escola.
Foi quando me lembrei que havia uma senhora muito velha que varria sua calçada de manhã e passei por sua casa buscando, com os olhos, sinal de movimento nas janelas. Nada.

       As folhas jaziam em montes cobrindo as raízes da árvore, por toda a calçada... E também as castanhas preenchiam o chão. Pareciam não ser juntas há dias.

       Dali para a frente, a caminho da faculdade, a imaginação correu solta: 'Que terá acontecido à velha? Será que está doente? Mudou-se?

       É, de novo a maldita curiosidade. De novo digo: Não é da minha conta.
       Mas, infelizmente, não consigo agora, deixar de olhar a calçada cheia de folhas e procurar a velha senhora maltrapilha e triste, a passar sua vassoura de palha entre as folhas, lutando contra o vento e contra os anos.

domingo, maio 16

Celebrar a amizade...


Esta noite eu tive um sonho...
     Sonhei que estava numa festa. Música alta, batida envolvente e ritmo dançante. A comida: tudo que eu mais gosto numa mesma mesa. Havia garçons servindo bebibas nos copos dos convidados o tempo todo. Foi quando reparei nas pessoas ao meu redor: Todos os meus amigos!
     As lágrimas quentes escorreram pelo meu rosto antes que pudesse contê-las, com a força de uma correnteza.
     Em um canto, vi as pessoas com quem compartilhei minha infância: Revivi instantaneamente o pega-pega, esconde-esconde, brincadeiras de corda, as amizades sinceras e verdadeiras, desinteressadas de crianças.
     Segui olhando ao redor e me deparei com um grupo que viveu comigo durante o final do meu Ensino Fundamental, aquela época das descobertas, do pouco mais de liberdade; Pessoas que entraram junto comigo na adolescência e compartilharam as mudanças, medos, alegrias, moda, música, deveres e acrescentaram no meu caráter atitudes importantes. A convivência com estas pessoas teve papel importantíssimo no caminho que eu seguiria a partir dali.
     Após observá-los por um tempo, continuei meu caminho pela festa... Bem como os deixei quando mudei de cidade, saí da casa e fui para a área externa, onde o vento frio cortava o rosto e a música diminuía de intensidade.

     Olhei para o lado e deparei-me com minhas amigas de colegial. Juntas, fomos privilegiadas, hoje considero um presente de Deus tudo que vivi nesses três anos. Quem diria que pessoas de cidades diferentes, se encontrariam um dia numa classe tão louca e ficariam amigas como ficamos? Nessa época, convivi mais com elas que com meus familiares, mas não me arrependo nem sequer um segundo de tudo que vivemos. Emocionada, pensei em voltar e me aproximar, mas não pude, ainda havia o que ver. Senti que devia seguir em frente...

     Caminhei um pouco mais pela grama de um jardim bem cuidado, que exibia lindas flores iluminadas pelo luar, que exalavam um perfume delicado e um ar requintado tomava a cena que se desdobrava a minha frente. Sentadas em um banquinho, conversando e rindo, estavam as minhas amigas que vejo todo dia na faculdade. Hoje compartilhamos a luta pelo diploma, com sonhos parecidos, nunca iguais, mas com os objetivos mais próximos aos meus até agora. Agora, eu as vejo todos os dias, mas sei que no fim desta festa, elas irão para suas casas também e eu sentirei falta de sua companhia e saudade ao relembrar nossas aventuras.

     Meus olhos ainda estavam úmidos quando voltei a chorar. Desta vez, um choro diferente; de angústia. Caí de joelhos e o copo que segurava, rolou pelo chão. Não pude deixar de pensar: Por que estou chorando? A festa está maravilhosa, todos ainda estão aqui... A companhia que escolhi durante toda minha vida, apenas pessoas que eu considero de verdade. O que há de errado? Então eu percebi.
     Percebi que, todo esse tempo, vivi minhas amizades como algo momentâneo. A maioria das pessoas com quem convivi, não vejo mais. Elas não me procuram mais para passar seu tempo, contar seu dia, suas novidades, não fazemos mais coisas juntas: Não me ligam mais para contar que beijou o garoto mais bonito da escola, para convidar para ir no supermercado, não andamos de bicicleta no bairro, não se sentam ao meu lado durante o almoço, o lanche, não resolvemos exercícios da apostila juntos, não dividimos mais as mesmas preocupações.

     Perdi o contato com pessoas que eu amava. Nem sempre porque não nos falamos mais, mas porque o assunto rareou, as obrigações e responsabilidades aumentaram, o tempo livre diminuiu e as preocupações distintas aumentaram.
     Se eu pudesse, faria tudo de novo. Viveria com eles os momentos perdidos pela memória. O que eu faria diferente é que, dessa vez, eu iria manter todos juntos ao coração o tempo todo. Não os deixaria se afastarem, a menos que fosse seu desejo, não por meu desleixo. Seria uma amiga presente.
Com isso na cabeça, levantei-me, sequei os olhos, entrei novamente na festa e abracei a todos eles, passando nesse abraço, um pouco do amor que sentia por cada um. Levei muito tempo: Era quase dia quando terminei de cumprimentar a todos porque, graças a Deus, tive muitos amigos verdadeiros durante minha vida.

     No fim da festa, voltamos a nos falar, trocamos telefones, emails, endereços... E dessa vez, entraríamos todos juntos na mesma fase, a mais complicada de todas, a que necessita de todo o apoio que você puder ter de seus amigos: A fase adulta.

     Hoje, quero celebrar a amizade. Celebrar junto a você, meu amigo(a). Eu nunca soube como te dizer isso, mas sou muito feliz por ter você por perto. A cada sorriso que faço você sorrir, cada Momento Único que vivemos, sou mais feliz. Em cada abraço, cada ligação, cada mensagem compartilhada... Você me faz feliz. Alguns de vocês, eu nunca abracei, outros já comeram comigo à mesa, dormiram sob o mesmo teto, mas todos dividem a melhor parte do meu coração, onde eu guardo estes momentos com muito carinho.

     Pelas antigas, atuais e futuras grandes amizades: peço hoje a Deus que abençoe a todos meus amigos e amigas.
          Contem sempre comigo.